Amor no Espectro acompanha jovens autistas em busca de um amor

Eu falei um pouco sobre representação autista quando comentei Atypical, da Netflix, e isso gerou bastante discussão aqui no blog. Uma coisa que eu insisti muito naquele post (e eu sempre insisto) é a importância dessa representação trazer, também, diversidade. Hoje eu vou indicar para vocês outra série muito interessante que traz o autismo como tema principal, chamada Amor no espectro. E eu confesso que acabei assistindo vários episódios no mesmo dia, porque a série é bem divertida. Assim como Atypical, ela é uma produção original da Netflix e vocês podem assistir na plataforma.

Alguns dos protagonistas da série Amor no espectro, que estão no espectro autista (Netflix)

Amor no espectro é documentário que, ao longo de vários episódios, mostra adultos e jovens adultos autistas em busca do amor. Com uma narrativa muito pessoal e sincera, a produção tem entrevistas, encontros, grupos de apoio, até um coração partido de vez em quando. Acontece, não é? O autismo é uma neurodivergência que gera dificuldades nas interações sociais, então a série também aborda a maneira como isso afeta a vida amorosa dos protagonistas. E a gente vê alguns casais que deram certo, como Thomas e Ruth, que são uma meta de relacionamento! Os dois têm muita coisa em comum, são cheios de piadas internas e sempre conseguem fazer o outro rir. Ah, sim: apesar de eu ter dado o exemplo dos dois, Amor no espectro não fala apenas sobre pessoas hétero. Logo no primeiro episódio a gente conhece uma garota autista bissexual, que tem um encontro com um rapaz e depois com outra garota. Eu tenho certeza que esse tipo de representação é muito válida e necessária para as pessoas LGBT no espectro autista, que existem, mas raramente se veem na mídia.

Como eu já disse, diversidade importa, e não apenas no que diz respeito à sexualidade. O documentário faz questão de apresentar mulheres autistas (embora o autismo seja equivocadamente mais diagnosticado em homens e meninos) abordando as diferenças em torno dessa identidade para elas. Além de tudo, Amor no espectro ressalta que as pessoas autistas possuem diferentes tipos de autonomia, e também mostra a relação dos protagonistas com seus familiares e amigos, com o trabalho e as suas aspirações de carreira. Inclusive, tem alguns depoimentos bem legais dos pais, que se esforçam para participar da vida dos filhos e incentivá-los a correr atrás do que eles querem.

Entre diferentes aspectos do cotidiano, Amor no espectro exibe algumas ferramentas criadas especificamente pra ajudar os adultos com autismo a navegar esse mundo dos relacionamentos amorosos. Eu já falei dos grupos de apoio, mas a gente vê uma festa à fantasia voltada para pessoas com deficiência e conhece a atuação de profissionais que ajudam os protagonistas em sua jornada. Para encerrar, eu vou deixar aqui a fala de um desses profissionais, a Jodi Rodgers, uma consultora especialista em relacionamentos que trabalha com pessoas no espectro autista. Ela conversa com os clientes – e com a família – para entender o que eles desejam em uma relação amorosa, quais são as suas expectativas e quais são os seus problemas de interação social, e tenta deixá-los mais confortáveis na busca pelo amor. Além de estimular independência e auto-confiança, Jodi ainda oferece dicas de interação antes dos encontros.

“Durante a infância, é dado muito apoio a pessoas com autismo para desenvolver habilidade social e interação social.

Quando elas atingem a idade adulta, e estão realmente procurando relacionamentos íntimos, nós não damos muito apoio para que eles entendam a grande complexidade de flertar com outra pessoa, ou desenvolver uma relação íntima com outra pessoa.”

Jodi Rodgers

É claro que as crianças autistas devem receber apoio e estímulo, mas isso não pode ser deixado de lado quando elas saem da infância, não é? É fundamental lembrar que essas crianças se tornarão adolescentes, depois jovens e adultos, com desafios particulares, sonhos e desejos como todo mundo. O que pode muito bem incluir um relacionamento amoroso, um casamento, ou filhos. Amor no espectro explora esses desafios peculiares da vida adulta, sempre da perspectiva dos protagonistas. E é muito interessante ver o mundo da perspectiva deles.

Recomendo a série para todos vocês, independente de terem autismo ou conhecerem alguém com autismo, certo? Mas se você conhece uma pessoa autista, ou mesmo tem uma pessoa autista na família, eu tenho certeza que o documentário vai ser ainda mais legal! Fica a dica da semana, não deixem de ver Amor no espectro.


Se você não sabe o que é neurodivergente ou tem dúvidas sobre a neurodiversidade, dá uma olhada no nosso artigo a respeito! O autismo não é a única neurodivergência possível, embora esse termo tenha se originado na própria comunidade autista.

Você Nem Imagina, um filme leve com uma protagonista lésbica

O texto da semana está chegando atrasado, então eu vou deixar só uma recomendação pra vocês hoje. Você nem imagina é a nova comédia romântica da Netflix, um filme leve e divertido que traz uma protagonista lésbica vivendo o seu primeiro amor. Eu sei que muita gente já deve ter visto (o trailer tem sido bastante divulgado na plataforma) mas se você ainda não assistiu, coloca aí na sua lista!

Ellie Chu (Leah Lewis) e Aster Flores (Alexxis Lemire) no filme Você nem imagina (Netflix)

Como a própria Ellie diz logo no início da narrativa, Você nem imagina não é bem uma história de amor. Pelo menos não uma onde as pessoas conseguem o que elas querem no final. É mais uma história sobre amizade, sobre descobrir quem você é, sobre amor-próprio. Também é muito sobre como essa fase, o fim da adolescência, pode se tornar um momento confuso para todo mundo. Em particular para as garotas como Ellie, que estão descobrindo – entre tantas outras coisas – a sua sexualidade.

Filha de pais chineses que imigraram para os Estados Unidos quando ela tinha só cinco anos, Ellie Chu é uma garota inteligente e disciplinada que mora na pequena cidade de Squahamish. Ela se concentra nos estudos e não tem amigos no colégio, mas consegue algum dinheiro pra ajudar a família vendendo trabalhos escolares aos seus colegas. Até que Paul, um jogador de futebol, contrata o serviço de Ellie para uma tarefa inusitada: escrever uma carta para a garota de quem ele gosta, Aster Flores. O problema é que a própria Ellie está apaixonada por Aster, e a situação acaba saindo do controle.

Parece a sinopse de mais um como tantos outros dramas adolescentes que a gente está cansado de ver, né? Parece mesmo, mas Você nem imagina vai muito além disso.

Eu poderia falar sobre representatividade asiática, já que além da Ellie ter ascendência chinesa, a gente vê muito bem como esse aspecto é importante na vida dela. Não é “só” um detalhe. A protagonista é uma filha de imigrantes que abraça a própria cultura, que fala mandarim dentro de casa e entende como o pai é tratado no país norte-americano. Não por acaso, Você nem imagina foi dirigido pela Alice Wu, do maravilhoso Livrando a cara – que entrou na nossa lista de Filmes felizes sobre amor entre mulheres! Se você curtiu Livrando a cara, devia muito assistir Você nem imagina. O filme da Netflix tem o mesmo clima sutil e gostoso (mesmo que trate de assuntos sérios em algum momento), e consegue transmitir tanto a situação muito particular da Ellie com sua família, quanto uma história mais universal, de uma adolescente que se apaixonou por outra garota e agora não sabe o que fazer sobre isso.

Ellie e Paul também acabam se aproximando, e se tornando amigos (Netflix)

Tenho certeza que muitas garotas e mulheres vão se identificar com as personagens do filme, vindo ou não de famílias asiáticas. Mesmo se você acha que já não tem mais idade pra assistir um drama adolescente, vale a pena dar uma chance para esse aqui. Faz bem assistir histórias assim. E embora o filme não termine com um “felizes para sempre”, eu garanto que o final é lindo, cheio de esperança e promessas de felicidade. Ah, uma dica: quem assistiu Você nem imagina e ficou com um gostinho de quero mais, com vontade de assistir algo mais romântico (e um pouco mais adulto), procura Livrando a cara. Você vai adorar! Ou faz logo uma bacia de pipoca e senta pra ver os dois de uma vez, porque eu tenho certeza que todo mundo anda precisando assistir algo mais leve esses dias.

Uma coisa que eu gostei muito nessa comédia romântica teen da Netflix é que ela traz histórias muito normais, sobre personagens muito comuns. O fato da protagonista ser lésbica, ou beijar outra garota, em nenhum momento é transformado em uma grande tragédia. Isso algo é importante – e raro – quando a gente fala em filmes LGBT. Não vou dar mais detalhes para evitar spoilers, mas nesse ponto vocês podem assistir com toda a tranquilidade. Ninguém morre, nenhuma tragédia é explorada na tela. Eu sei que é bem triste eu ter que avisar isso toda vez que recomendo um filme gay para vocês, mas fico feliz de ver cada vez mais produções onde isso não é um problema.

Pra encerrar, vou deixar um trecho da entrevista que a Leah Lewis (atriz que interpreta a protagonista Ellie Chu) concedeu à revista Teen Vogue. “A maioria das pessoas pensa que toda história de amor tem uma equação, e em geral ela é ‘garoto conhece garota’, ‘garota conhece garoto’, ou ‘garota conhece garota’. Você nem imagina é uma história de amor-próprio porque esses personagens não terminam juntos, mas lá no finalzinho, eles encontram alguma coisa. Para mim, isso é ainda mais valioso do que encontrar sua outra metade, é descobrir uma parte de você ao longo do caminho. É uma história de amor, só não é uma história de romance”.

E então, que tal assistir Você nem imagina hoje, e depois me contar o que você achou?


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Popular na Netflix, a série Dirty John é um caso real e devastador

Talvez vocês tenham assistido, ou pelo menos ouvido falar sobre a série Dirty John – O golpe do amor, uma produção do canal Bravo que está disponível na Netflix. Ela é uma das novidades da plataforma e foi comparada a Você, que tem feito bastante sucesso. A atriz Connie Britton interpreta a protagonista Debra Newell, junto com Eric Bana, que – com uma excelente performance – faz o personagem título, John Meehan. O que nem todo mundo sabe é que a série é baseada em uma história real. Quem não usa a Netflix pode assistir a produção online, dublada ou com legendas.

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Eric Bana e Connie Britton em Dirty John – O golpe do amor (Fonte)

É uma ótima pedida para quem curte esse clima de mistério, suspense policial e crimes reais. Não vou entrar em muitos detalhes sobre a história para não dar spoilers, mas eu gostei bastante. Para resumir, Debra conheceu John num site de relacionamentos, e se apaixonou por ele. Em poucas semanas os dois estavam morando juntos, mesmo contra a vontade da família dela. Debra já tinha sido casada algumas vezes, e suas duas filhas – ambas jovens adultas quando ela conheceu John – desconfiaram de Meehan desde o início da relação. Encantada por ele, Debra ignorou todos os “sinais” de perigo. John se apresentava como médico anestesista, também separado, mas inteligente e charmoso, sempre prestativo, carinhoso e dedicado. Ou seja, era tudo o que Debra procurava em um parceiro. Ela atribuiu essa desconfiança das filhas a ciúme, implicância e excesso de preocupação, e se recusou a afastar John da sua vida.

Até a própria Debra começar a perceber alguns comportamentos estranhos no homem com quem ela se casou. John mentia sobre o seu passado, sobre o seu emprego, sobre a sua família e seu dinheiro. Porém, quando confrontado, ele parecia ter uma resposta – uma boa resposta – para tudo. Debra Newell se viu dividida entre os sentimentos que ela nutria por Meehan e as evidências que ela e a família descobriram. Sobre uma coisa, porém, não restava mais dúvidas: John Meehan não era quem ele dizia. Parece mesmo um thriller dos bons, né? Pois é. E sabem de uma coisa? A história real por trás da série é tão espantosa quanto a ficção. Se não mais. Quem não acredita nisso, pode conferir o documentário Dirty John: A verdade nua e crua, também disponível na Netflix.

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Os verdadeiros John Meehan e Debral Newell (Fonte)

É sobre essa parte verídica da produção que eu quero falar hoje. O documentário Dirty John: A verdade nua e crua traz depoimentos de Debra Newell e das suas duas filhas, e da primeira mulher de John, Tonia – além de profissionais envolvidos nas investigações contra ele. A história real é de partir o coração. Meehan não enganou apenas Debra e Tonia, mas várias mulheres com quem ele se envolveu ao longo dos anos. Incluindo a escritora brasileira Marileide Andersen, que mora nos Estados Unidos e se tornou uma das vítimas dele. No documentário, Marileide desabafa sobre as tentativas de extorsão e ameaças de morte que sofreu nas mãos do americano. A escritora passou momentos de terror, e não foi a única. John tinha várias ordens judiciais restritivas contra ele, que foram solicitadas por outras mulheres para impedir que ele se aproximasse delas (e nós temos um mecanismo semelhante na justiça brasileira). Meehan chegou a encomendar a morte de uma investigadora que atuava no seu caso, a detetive Julia Bowman.

A série Dirty John pode ser apenas mais uma peça de entretenimento, mais um seriado para a gente maratonar quando estiver de bobeira – não muito diferente de Você ou até mesmo Elementary – mas a história real por trás da narrativa nos chama a atenção para a existência de pessoas como John Meehan. E, principalmente, para como é fácil você se tornar a “próxima vítima” de alguém assim. Fácil, sim, porque Meehan não era só um vigarista explorador de mulheres. Ele não era só abusivo, ele era um predador.

Meehan selecionava essas mulheres. Quando escolhia uma nova vítima, ele procurava sempre vulnerabilidades que ele pudesse explorar. Isso é algo que precisa ser dito, e repetido: o fato de Debra e Tonia terem sido enganadas por Meehan não as torna fracas nem pouco capazes. Pelo contrário. Assim como Marileide Andersen, e todas as outras pessoas que foram vitimadas por ele. Em Dirty John: A verdade nua e crua, Meehan é descrito como um camaleão, alguém que se moldava exatamente naquilo que a pessoa queria ou precisava no momento. Dennis Luken, um dos detetives que investigaram os crimes de Meehan, disse que John é a pessoa mais traiçoeira que ele conheceu. “Após um total de quarenta anos, eu posso dizer que ele é a pessoa mais traiçoeira, perigosa e desonesta, e provavelmente existem muitas coisas que John fez e nós nunca, jamais ficaremos sabendo”. Não é por acaso que, para Debra, Meehan era “tudo aquilo que ela procurava em um homem”. Ou que, para Tonia, os dois tinham um casamento realizado, uma vida feliz. Todo mundo tem vulnerabilidades, o Dirty John apenas sabia muito bem como explorar cada mínima insegurança, e tirar vantagem disso.

E é nesse ponto que eu queria chegar: John Meehan também não é único. Existem, sim, mais pessoas como ele. Pessoas que talvez não cometam atos com a mesma gravidade, ou que não sejam capazes de matar como John provou – em mais de uma ocasião – que era, mas que constantemente manipulam, exploram e abusam de outras pessoas para tirar vantagem. John Meehan é um caso extremo, é claro, só que esse comportamento manipulador também acontece em doses menores, “menos” graves. E Meehan, além de ter uma necessidade de controle, ainda precisava alimentar seu vício em drogas, o que o tornava muito mais perigoso e propenso a ataques violentos. Isso não significa que as tentativas de manipulação e abuso sempre vão acabar em tragédia, em violência física ou em crimes graves, como acontece em Dirty John. É importante a gente estar atento para esse tipo de comportamento também no dia a dia.

Não estou dizendo que seja algo tão comum, nem que a gente deva banalizar as ações de alguém como John Meehan. Tem muita gente que é babaca e é só babaca, tem muito relacionamento que acaba mal sem que nenhum dos dois seja um abusador. Claro que tem, mas também tem gente que adota, sim, um comportamento predatório nas suas relações pessoais. Gente que procura as pessoas com vulnerabilidades que possam ser exploradas – como baixa auto-estima ou alguma insegurança – e se aproveita disso pra tirar vantagem. Gente que explora a inexperiência, a bondade e a fragilidade emocional das pessoas contra elas, que usa essas pessoas e depois parte direto pra próxima vítima. Eu acho que Dirty John: A verdade nua e crua, o documentário, ajuda a entender isso. Enquanto a série foca mais no suspense, no desenrolar da história, o documentário (e o podcast que desencadeou a produção) dissecam mais o comportamento de John, suas atitudes predatórias que seguiram um padrão, uma estratégia para dominar o seu alvo. Pode ser uma boa ferramenta para ajudar a identificar esse tipo de pessoa, que utiliza a manipulação emocional e psicológica para conseguir o que quer. Se for possível, até pra mostrar a pessoas que estão vivendo algo parecido agora que isso não é normal, e que certamente não é amor. E que ninguém merece – ou precisa – passar por isso.

Nem sempre o objetivo final é dinheiro, por exemplo. Às vezes, pode ser a estabilidade, a segurança que a outra pessoa pode oferecer – como Debra oferecia a John. Pode ser o acesso à moradia, a um carro ou itens de conforto físico. Ou ainda, coisas que não têm nada a ver com bens materiais. Tem gente que manipula os outros simplesmente para suprir uma vaidade, uma certa necessidade emocional. É o caso daquelas pessoas que mantém alguém por perto só pra alimentar o próprio ego – alguém que faz a namorada se sentir sempre “mais feia”, sempre a pessoa “menos desejável” da relação; ou que faz questão de dizer ao parceiro que é “o melhor que você pode arranjar”. Eu dei exemplos de relacionamentos amorosos porque é onde esse tipo de manipulação mais acontece, mas não podemos esquecer isso também existe em amizades.

Então, se eu puder dar um conselho para vocês hoje, que seja esse: por favor, assistam o documentário. Prestem atenção na forma como as pessoas entrevistadas descrevem John Meehan, e acima de tudo, o comportamento dele. As estratégias dele. A primeira tática que John Meehan usou foi isolar as “presas” do seu círculo social, dos amigos e de familiares, das pessoas que poderiam oferecer apoio. Isso fica muito claro na relação dele com as filhas da Debra. John usou os pequenos atritos entre ele e as garotas pra afastá-las da mãe. Situações que (caso ele fosse bem-intencionado) poderiam ter sido resolvidas com conversa, paciência e maturidade da parte dele. Ao invés disso, Meehan exagerava as discussões, distorcia a situação para jogar a culpa nas garotas, e com isso ganhava o “direito” de exigir que Debra se afastasse delas. Depois, ele usou o amor que a Debra sentia por ele para garantir que ela mantivesse suas filhas sempre à margem, excluídas do contato diário, mais próximo com os dois. Pessoas que estão tentando te manipular e te controlar vão fazer isso, vão usar pequenas diferenças com seus amigos e discussões bobas pra colocar uma distância entre vocês. O objetivo é isolar a vítima, o que a torna mais suscetível à manipulação e aumenta o controle do abusador.

Outra coisa que o Meehan fazia era distorcer qualquer acusação em favor dele. Toda vez que ele era pego em uma mentira, ou em uma situação suspeita, ele conseguia “se safar” ao fazer parecer que ele era a vítima. Quando a Debra abre uma carta que era endereçada a ele – e chega perto de desvendar um dos seus segredos – John a acusa de violar a sua correspondência, algo que é considerado um crime. Ele diz até que a Debra poderia ser presa por isso, invertendo completamente a situação. Nas discussões com as filhas dela, Meehan sempre dá um jeito de colocar a culpa nas garotas. Ele nunca é o culpado, nunca é o responsável por nada de errado. É sempre o outro. No início, ele faz isso para isolar a Debra, mas depois John usa esse mesmo recurso para impedir que ela descubra os crimes dele. Afinal, toda vez que Debra percebe algo errado, Meehan dá um jeito de colocá-la contra a parede, invertendo os papéis e fazendo com que Debra comece a pensar que talvez a errada seja ela, mesmo. Isso é gaslighting.

Se você consegue identificar comportamentos parecidos em alguém próximo, seja um amigo ou namorado, fique de olho. Comece a prestar atenção. Especialmente se você perceber que isso acabou te afastando dos seus outros amigos, da sua família, dessas pessoas com quem você mais convivia. Tente retomar o contato com essas pessoas. E eu falei “amigo”, “namorado”, mas essa não é só uma questão de gênero. Pelo contrário. É possível que a manipulação e o abuso sejam cometidos por uma mulher – assim como isso também pode acontecer entre casais gays e pessoas LGBT em geral. Então se você tem uma amiga ou namorada que faz essas coisas, também fica de olho. Presta atenção nos “sinais” de perigo. Se alguém parece “bom demais pra ser verdade”, se algo te deixa desconfortável, não ignora esses avisos. Escuta a sua intuição. Se você tem a sensação de que essa pessoa está de alguma forma se aproveitando das suas inseguranças, se ele ou ela parece usar suas vulnerabilidades contra você, por favor, cuidado. E eu vou falar de novo, porque isso é fundamental: não deixa essa pessoa te isolar. Desconfie sempre de alguém que te quer “só pra si”, alguém que parece te afastar de todos os seus amigos e familiares. Desconfie de alguém que é sempre a vítima, e que te faz parecer sempre o responsável por todos os problemas da relação.

Quando você tiver um tempo, assista o documentário Dirty John: A verdade nua crua, e pense sobre tudo isso que eu falei hoje, ou a série. Comece por aí.

Dirty John
Eric Bana como John Maheen na série Dirty John – O golpe do amor (Fonte)

Pra quem for assistir a série ou o documentário, a narrativa às vezes pode parecer meio confusa – porque tem uma porrada de gente envolvida, e um montão de coisa absurda acontecendo simultaneamente. Vou deixar umas dicas para facilitar a vida de vocês! O Cinestra publicou uma descrição das pessoas envolvidas no caso, e o Mix de Séries fez uma linha do tempo com os crimes de John Meehan. Além disso, é legal saber que essa história toda foi divulgada primeiro pelo jornal Los Angeles Times, através do podcast Dirty John. Apresentado por Christopher Goffard, o podcast foi lançado em 2017, com participação de Debra Newell e a sua filha Terra Newell, Tonia Bales, o detetive Dennis Luken, e outras pessoas envolvidas. Embora não aborde tudo o que documentário – e a série – tentam esclarecer, foi graças ao podcast que o caso ganhou notoriedade.


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